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3 de outubro de 2012

Ontem li algo muito lindo onde uma mãe,Franciane Toledo Furlanetto‎, publicou do autor Rubem Alves , que escreveu um livro para sua filha que nasceu com lábio leporino... muito fofo... o livro é "COMO NASCEU A ALEGRIA" da Editora: Paulus.Resolvi publicar tambem...aproveito e agradeço a essa mãe pela dica...

***Vale a pena ler***
AOS CONTADORES DAS ESTÓRIAS
O mundo das crianças não é tão risonho quanto se pensa. Há medos confusos, difusos, as experiências das perdas, bichos, coisas, pessoas que vão e não voltam... O escuro da noite: o mundo inteiro se ausentou. Voltará?
Os grandes não gostam disto e inventam estórias de meninos e meninas que eram só risos. Talvez para convencerem a si mesmos de que sua própria infância foi gostosa...
Escrevi as estórias da Coleção ESTÓRIAS PARA PEQUENOS E GRANDES em torno de temas dolorosos, que me foram dados por crianças. Não é possível fazer de conta que eles não existem. Os maus espíritos, a gente os espanta chamando-os pelo seu nome real... O objetivo da estória é dizer o nome, dar às crianças símbolos que lhes permitam falar sobre seus medos. E é sempre mais fácil sobre si mesmo fazendo de conta que se está falando sobre flores, sapos, elefantes, patos...
Há estórias que podem ser escutadas em disquinhos ou simplesmente lidas sozinhas... São as estórias engraçadas. Outras devem ser contadas por alguém.

Quando se anda pelo escuro do medo, é sempre importante saber que há alguém amigo por perto. Alguém está contando a estória. Não estou sozinho... Nem o livro que se lê nem o disquinho que se ouve tem o poder de espantar o medo. É preciso que se ouça a voz de um outro, que diz:
- Estou aqui, meu filho...
Esta estória foi construída em torno da dor da diferença: a criança que não se sente bem igual às outras, por alguma marca no seu corpo na sua maneira de ser... Esta, eu sei bem, é estória para ser contada também para os pais.
Eles também sentem a dor dentro dos olhos.
Alguns dos diálogos foram tirados da vida real.
Ela lida com algo que dói muito: não é a diferença, em si mesma, mas o ar de espanto que a criança percebe nos olhos dos outros. Dizem os poemas sagrados que, após a queda, os olhos foram a primeira parte do corpo a ser envenenada. De órgãos de carinho transformaram-se em ferrões. Homens e mulheres descobriram o embaraço da diferença e se esconderam...
O medo dos olhos dos outros é sentimento universal. Todos gostaríamos de olhos mansos...
A diferença não é resolvida de forma triunfante, como na estória do Patinho Feio. O que muda não é a diferença. São os olhos...
(Rubem Alves)
"COMO NASCEU A ALEGRIA"

Você pode não acreditar, mas é verdade: muitos anos atrás a terra era um jardim maravilhoso. É que os anjos, ajudados pelos elefantes, regavam tudo, com regadores cheios de água que eles tiravam das nuvens. Esta era a sua primeira tarefa, todo dia. Se esquecessem, todas as plantas morreriam secas, esturricadas...
Para que isso não acontecesse, Deus chamou o galo e lhe disse:
- Galo, logo que o sol aparecer, bem cedinho, trate de cantar bem alto para que os anjos e os elefantes acordem...
E é por isso que, ainda hoje, os galos cantam de manhã...
Flores havia aos milhares. Todas eram lindas. Mas, infelizmente, todas elas eram igualmente vaidosas e cada uma pensava ser a mais bela.
E, exibindo suas pétalas, umas para as outras, elas se perguntavam, sem parar:
- Não sou a mais linda de todas?
Até pareciam a madrasta da Branca de Neve.
Por causa da vaidade, nenhuma delas ouvia o que as outras diziam nem percebiam que todas eram igualmente belas.
Por isso, todas ficavam sem respota.
E eram, assim, belas e infelizes.
No meio de tanta beleza infeliz, entretanto, certo dia uma coisa inesperada aconteceu. Uma florinha, que estava crescendo dentro de um botão, e que deveria ser igualmente bela e infeliz, cortou uma de suas pétalas num espinho, ao nascer. A florinha nem ligou e vivia muito feliz com sua pétala partida. Ela não doía. Era uma pétala macia. Era amiga.
Até que ela começou a notar que as outras flores a olhavam com olhos espantados. e percebeu, então, que era diferente.
- Por que ;e que as outras flores me olham assim, papai, com tanto espanto, olhos tão fixos na minha pétala...?
- Por que será? Que é que você acha? – perguntou o pai.
Na verdade, ele bem que sabia de tudo. Mas não queria dizer. Queria que a florinha tivesse coragem para olhar para as vaidosas e amar a sua pétala.
- Acho que é porque eu sou meio esquisita... – a florinha respondeu.
E ela foi ficando triste, triste... rachada, mas por causa dos olhos das outras flores.
- Já estou cansada de explicar. Eu nasci assim...
Mas elas perguntam, perguntam, perguntam...
Ate que ela chorou.
Coisa que nunca tinha acontecido com as flores belas e infelizes.
A terra levou um susto quando sentiu o pingo de uma lágrima quente, porque as outras flores não choravam.
E ela chamou a árvore e lhe contou baixinho:
- A florinha está chorando.
E a terra chorou também. 
A árvore chamou os pássaros e lhes contou o que estava acontecendo. E, enquanto falava, foi murchando, esticando seus galhos num longo lamento, e continua a chorar até hoje, à beira dos rios e dos lagos, aquela árvore triste que tem o nome de chorão. E das pontas dos seus galhos correram as lágrimas que se transformaram num fiozinho de água...
Os pássaros voaram até as nuvens.
- Nuvens, a florinha está chorando.
E choraram lágrimas que se transformaram em pingos de chuva...
As nuvens choraram também, juntando-se aos pássaros numa chuva enorme, choro do céu...
As lágrimas das nuvens molharam as camisolas dos anjinhos que brincavam no céu macio. E quiseram saber o que estava acontecendo. E quando souberam que a florinha estava chorando, choraram também...
E Deus, que era uma flor...
Sabia que, no mundo das flores, Deus é também uma flor?
E Deus, que era uma flor, começou a chorar também.
E a sua dor foi tão grande, que, devagarinho, como se fosse espinho, foi cortando uma de suas pétalas. 
E Deus ficou tal e qual a florinha.
E aquele choro todo, da terra, das árvores, dos pássaros, dos anjos, de Deus, virou chuva, como nunca havia caído.
O sol, sempre amigo e brincalhão, não aguentou ver tanta tristeza. Chorou também. E sua boca triste virou o arco-íris...
E as chuvas viraram rios, e os rios viraram mares. Nos rios nasceram peixes pequenos. Nos mares apareceram os peixes grandes.
A florinha abriu os olhos e se espantou com todo aquele rebuliço. Nunca pensou que fosse tão querida. E a sua tristeza foi virando, lá dentro, uma espécie de cócega no coração, e sua boca se entortou para cima, num riso gostoso...
E foi então que aconteceu o milagre.
As flores belas e infelizes não tinham perfume, porque nunca riam. Quando a florinha sorriu, pela primeira vez, o perfume bom da flor apareceu. O perfume é o sorriso da flor. 
E o perfume foi chamando bichos e mais bichos...
Vieram as abelhas... Vieram os beija-flores... Vieram as borboletas... Vieram as crianças. Um a um, beijaram a única flor perfumada, a flor que sabia sorrir. E sentiram, pela primeira vez, que a florinha, lá dentro do seu sorriso, era doce, virava mel...
Esta é a estória do nascimento da alegria.
De como a tristeza saiu o choro, do choro surgiu o riso e o riso virou perfume.
A florinha não se esqueceu de sua pétala. Só que, deste dia em diante, ela não mais sofria ao olhar para ela, mas a agradava, como boa amiga.
Quanto aos regadores dos anjos, nunca mais foram usados.
De vez em quando, olhando para as nuvens, a gente vê um deles, guardado lá dentro, já velho e coberto de teias de aranha... Enquanto a florinha de pétala partida estiver neste mundo, a chuva continuará a cair e o brinquedo de roda em volta do seu sorriso e do seu perfume não terá fim...

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